Currículo: Teorias e Praxis de José Augusto Pacheco - Resumo e Critica do livro

02-12-2010 22:47

Pacheco, J. (2001). Currículo: Teorias e Praxis. Porto: Porto Editora.

Este livro está organizado em quatro capítulos:

-Enquadramento conceptual da teoria e desenvolvimento curricular; Teorização e investigação curricular; Processo de desenvolvimento curricular e Reformas e inovação curricular.

No primeiro capítulo, o autor apresenta vários significados subjacentes ao termo currículo, chamando a atenção para que a noção de currículo é uma noção vaga, usada muitas vezes de forma imprecisa ou restritiva. Apresenta duas categorias para enquadrar a variedade de definições de currículo que analisa. Na primeira, o currículo é identificado como um plano de estudos, ou um programa, muito estruturado e organizado, de objectivos, conteúdos e actividades, de acordo com a natureza das disciplinas. Na segunda, o currículo é definido em termos muito distintos, pois embora se refira a um plano ou programa, contempla o conjunto das experiências educativas vividas pelos alunos no contexto escolar, e o propósito que lhe está subjacente possui um elevado grau de indeterminação e é adaptável em função das condições da sua aplicação.

Apesar da divergência reinante, Pacheco sistematiza três ideias-chave subjacentes à noção de currículo: de um propósito educativo planificado no tempo e no espaço em função de finalidades; de um processo de ensino-aprendizagem, com referência a conteúdos e a actividades; de um contexto específico o da escola ou organização formativa.

Ao considerar o currículo como um propósito contextualizado numa determinada sociedade, o autor destaca a sua carga de valores, social, cultural e historicamente situados, e a sua dependência dos contextos em que se enquadram e das pessoas que neles intervêm, não esquecendo que um contexto inclui subsistemas de várias ordens: política, social, administrativa, educativa,... Tendo em conta todos estes aspectos, o autor conclui: “o currículo, apesar das diferentes perspectivas e dos diversos dualismos, define-se como um projecto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interactivo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta da interacção e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, económicas culturais, sociais, escolares,...) na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas.” (Pacheco, 2001, pág.20)

O segundo capítulo debruça-se, em especial, sobre o papel das teorias curriculares e caracteriza-as, focando-se em vários aspectos, três teorias distintas: a técnica, a prática e a crítica. A teoria técnica é a que ainda se faz sentir actualmente. O currículo é definido como um produto, uma sequência de experiências de aprendizagem dos alunos, preparadas pela escola segundo um plano previamente estabelecido. O currículo é sinónimo de conteúdos ou de programas das várias disciplinas. Assim, o currículo está ligado a um plano organizado de aprendizagem centrado nos conteúdos, nos alunos e nos objectivos previamente formulados. Na teoria prática, o currículo é perspectivado como uma prática que resulta de uma conexão entre especialistas curriculares e professores e, também das condições reais dessa prática, onde é reforçada a concepção de currículo como processo, constituindo uma proposta que pode ser analisada pelos professores de diferentes maneiras e aplicada em diferentes contextos. Por conseguinte, o currículo é uma prática em deliberação e em negociação. A interpretação negociada é muito importante, pois a interpretação dos textos curriculares presume uma actividade prática e inclui a consideração dos alunos como os principais sujeitos deste processo. A teoria crítica “ao ter como enquadramento muitas das ideias neomarxistas, fenomenológicas e existencialistas…insere-se numa perspectiva emancipadora de currículo, afastando-se, em termos conceptuais, das teorias técnica e prática. O currículo não é o resultado nem dos especialistas nem do professor individual mas dos professores agrupados e portadores de uma consciência crítica e agrupados segundo interesses críticos” (Pacheco, 2001, pág. 40) Esta teoria oferece visões críticas do currículo e, o que as distingue “é o conceito de praxis inerente ao interesse cognitivo crítico e que é constituído pela acção e reflexão” (Pacheco, 2001, pág.41)

No âmbito da investigação curricular, o professor é o principal fomentador do desenvolvimento do currículo, é aquele que investiga com o fim de estudar o seu trabalho, com a ajuda de outros, com o objectivo de resolver problemas com que se debate.

Este capítulo finaliza com uma análise dos pressupostos curriculares: social, cultural, individual e ideológico.

Do terceiro capítulo destaca-se a discussão sobre as várias formas de entender o desenvolvimento curricular, à luz das diferentes teorias.

A política curricular representa uma ideologia, encerra as decisões de forças políticas, as deliberações dos contextos escolares que são implementadas através de leis, decretos de leis, portarias, despachos normativos, circulares e ofícios circulares, textos de apoio, documentos internos da escola. A apresentação dos contextos ou níveis de decisão curricular é representada da seguinte forma: “ político-administrativo (no âmbito da administração central); de gestão (no âmbito da escola e da administração regional); de realização (no âmbito da sala de aula).” (Pacheco, 2001, pág.68) Relativamente a este último, é particularmente interessante a visão do papel dos manuais escolares enquanto mediadores do currículo para os professores.

Ainda neste capítulo, Pacheco refere-se ao que designa por “fases de desenvolvimento do currículo”, elucidando sobre os diferentes currículos que se devem considerar conforme o contexto e os elementos que com ele interagem. O currículo prescrito ou oficial ou escrito ou formal “ é o currículo sancionado pela administração central e que é adoptado por uma estrutura organizacional escolar. A segunda fase é a do currículo apresentado (Gimeno, 1988) aos professores através dos mediadores curriculares, principalmente dos manuais e dos livros de texto, e isto numa situação em que os professores não trabalham directamente com o currículo oficial. A seguir, no âmbito do projecto educativo da escola, com a inclusão do plano global de formação, o currículo é programado, em grupo, e planificado, individualmente, pelos professores, não deixando de ser um currículo moldado (Gimeno, 1988) ou percebido (Goodlad, 1979: 60) porque representa, como este autor diz, A fase do currículo real (…) é a que se situa num contexto de ensino e que corresponde a um currículo operacional (Goodlad, 1976: 61), isto é, . Trata-se do currículo que acontece na prática diária da escola.” (Pacheco, 2001, págs. 69 e 70) O autor apresenta ainda o chamado currículo realizado ou experimental “que é a expressão dos resultados da interacção didáctica e que tanto traduz o currículo vivenciado pelos alunos como o currículo vivenciado pelos professores e demais intervenientes. Quando se investiga ou reflecte sobre o currículo esta fase pode corresponder ao currículo observado a partir das opiniões dos seus participantes.” (Pacheco, 2001, pág.70) O currículo oculto, não ensinado, escondido, é aquele que não pertence ao currículo oficial. “Dir-se-á que existe um currículo oculto quando os autores dos manuais fazem a sua interpretação do programa, quando os professores moldam os conteúdos e organizam as situações de ensino – aprendizagem, quando os alunos são sujeitos activos na interacção didáctica, enfim, quando os pais e outros mais participam, de modo directo ou indirecto, no desenvolvimento do currículo.” (Pacheco, 2001, pág. 70) O currículo avaliado é aquele onde estão incluídas as seguintes avaliações: alunos, planos curriculares, programas, professores, escola, manuais, administração…

No que diz respeito ao contexto político – administrativo, Pacheco diz que dos modelos globais de construção curricular evidenciam-se os de Tyler, Taba, Wheeler, Lawton e D`Hainaut.

O autor refere – se aos modelos de organização curricular afirmando que todas as classificações dos modelos são semelhantes, apresentando algumas diferenças na terminologia. Para o 1º Ciclo do Ensino Básico, segundo Pacheco o modelo utilizado é o integrado ou globalizado, porque se deseja que, o aluno no seu primeiro contacto com o ensino formal, conheça e compreenda de uma forma integral os acontecimentos e saiba exprimir-se e situar-se em relação a si próprio, aos outros, ao espaço e ao tempo. As disciplinas não desaparecem, subordinam-se a “uma visão de conjunto de modo a proporcionarem experiências concretas aos alunos. (…) Assim pretende ser o 1º ciclo do ensino básico (…) (LBSE, alínea a), ponto 1, art.º 8.º) Por conseguinte, o plano curricular é estruturado em quatro áreas disciplinares: Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio e Expressões (Artísticas e Físico – Motoras).” (Pacheco, 2001, pág.83) A Lei de Bases do Sistema Educativo, pontos 4 e 5, artº.47.º, ao elaborar os planos curriculares a nível nacional para o ensino básico, introduz conteúdos de natureza regional e local. O currículo tem uma componente principal que é a disciplinar que se relaciona com os conteúdos que são aprendidos pelos alunos noutras disciplinas e áreas curriculares. No ensino básico as áreas curriculares disciplinares coexistem com as áreas curriculares não disciplinares: Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica. As Actividades de Enriquecimento do Currículo “ são organizadas em regime normal (manhã e tarde) e, apesar de serem facultativas, tornam-se obrigatórias para os alunos, transformando-se em actividades curriculares disciplinares, cuja planificação compete à escola em colaboração com diversas entidades promotoras, preferencialmente as autarquias. (…) são estas: actividades de apoio ao estudo; ensino do inglês (estas duas actividades são obrigatórias na planificação dos agrupamentos); ensino de outras línguas estrangeiras; actividades física e desportiva; ensino da música; outras expressões artísticas; outras actividades…” (Pacheco, 2001, pág. 86)

O currículo no contexto político – administrativo é um projecto sócio – educativo que é adaptado pela administração central no processo de preparação curricular, na apresentação de uma proposta de programas de escolarização, na exposição de planos curriculares, de programas, de indicações metodológicas e de critérios de avaliação. O currículo, também é decidido ao nível da região e da escola. “O projecto de escola compreendido nas competências e atribuições que possibilitam a sua autonomia e dentro da flexibilidade organizacional do sistema escolar, corresponde a uma fase de planificação intermédia ou de decisão curricular que se expressa em três projectos interdependentes – educativo, curricular e organizativo – culminando na realização de um projecto didáctico que se situa no contexto da realização do currículo e que envolve os intervenientes directos do espaço da sala de aula.” (Pacheco, 2001, pág. 90) O projecto educativo constitui uma tentativa de implicação da comunidade educativa, como professores, alunos, pais, etc. O projecto curricular equivale a uma pluralidade de projectos que fazem a interligação entre o projecto educativo e o projecto didáctico, seguindo a organização do ensino básico, em projectos de ciclo, de ano e de turma.

É à escola que compete organizar horizontalmente o conjunto de actividades lectivas e não lectivas, criando condições que fomentem a aprendizagem e o sucesso educativo dos alunos.

No que diz respeito à autonomia do professor verifica-se que, no domínio da formulação dos objectivos de aprendizagem ao nível da turma, de acordo com o referente das competências essenciais e específicas, esta é manifesta. Devido à existência de programas, traçados a nível nacional, o professor não tem autonomia quanto aos conteúdos. Para a sua transformação didáctica, a fim de que estes possam ser compreendidos pelos alunos possui total autonomia. Constitui um dos aspectos do currículo oculto. Em relação às actividades e recursos o professor goza de plena autonomia. Este faz a gestão do tempo de aprendizagem sem estar sujeito a um referente estabelecido. A autonomia compartilhada é realizada na escolha do manual pertencente ao conjunto de professores. Assinale-se que isso não o impede de utilizar outros materiais curriculares. Quanto à avaliação dos alunos, o professor goza de uma autonomia colegial tanto na observação das modalidades e actuações de avaliação como na aplicação de critérios. Como o professor está integrado num modelo didáctico, este actua segundo um conhecimento profissional e utiliza técnicas fundamentadas que subentendem a pesquisa e experiência educativa.

 Neste capítulo, Pacheco chama a atenção para a função, factores e tipos de planificação docente. Os factores que intervêm no processo de planificação do professor e que o influenciam indirectamente são imensos como, por exemplo: diferenças individuais; crenças educativas; pensamentos, juízos e decisões presentes na acção do professor; motivação, valores e conhecimento da matéria; conhecimento dos alunos através de informações ou contactos; o manual adoptado.

Nas fases de desenvolvimento do currículo, o chamado currículo em acção é caracterizado pela interacção professor/aluno, onde a dinâmica da aula depende do contexto da escola e da turma, do espaço escolar, das características do professor, do aluno e do clima que se vive na turma. Outro condicionante da realização do currículo diz respeito à organização do espaço arquitectónico da escola e ao aspecto físico da aula. Nos modelos de organização didáctica, o espaço ocupado pela secretária do professor e as carteiras dos alunos, os espaços constituídos por elementos permanentes constituem zonas de influência do professor e alunos através dos quais estes interagem.

A avaliação está presente nos diferentes contextos e estádios do desenvolvimento curricular. Na avaliação externa, o intuito de avaliação coincide com a avaliação dos programas, materiais curriculares e modelos de desenvolvimento do currículo. A avaliação interna é a avaliação que as escolas realizam das suas próprias actividades, abrangendo o desempenho dos professores, o progresso de cada aluno, o funcionamento da turma, os processos e práticas dos professores.

No processo de desenvolvimento curricular centrado nos objectivos, o currículo constitui a preparação de um programa estruturado de aprendizagem dos alunos, tendo em vista o seu aperfeiçoamento através dos objectivos expressos em termos de comportamento e de acordo com a previsão e precisão de resultados. O professor é um executor, um técnico que realiza um projecto planeado por peritos da maneira o mais fiel possível. No modelo centrado no processo, o currículo é orientado para a resolução de questões práticas. Neste modelo é o professor quem realiza o currículo, o qual poderá ser realizado através da investigação. Este é um agente curricular, com capacidade autónoma para elaborar e adaptar outros materiais curriculares, sem ser o livro de texto. Neste modelo o aluno não é um reprodutor daquilo que o professor diz mas, participa e é membro activo da sua própria aprendizagem. No modelo centrado na situação “ o currículo resumir-se-ia assim às seguintes decisões: análise da situação existente; formulação das finalidades; elaboração, nas escolas, dos programas; aplicação e interpretação dos programas; avaliação do funcionamento.” (Pacheco, 2001, pág. 141) Um dos objectivos deste modelo consiste nas práticas auto – reflexivas do professor.

O terceiro capítulo finaliza com uma síntese da importância do estudo da realidade curricular.

No capítulo quarto, Pacheco aborda aspectos da reforma educativa dos anos 80, fazendo uma análise dessa reforma. Ainda neste capítulo, Pacheco analisa o processo curricular correspondente a 1836-1974, tomando em consideração a face oficial e real do currículo.

Na conclusão, faz uma reflexão e oferece ainda uma síntese das principais conclusões de cada capítulo. ”As reformas curriculares, tal como o têm demonstrado os estudos de investigação, são desencadeadoras de um desfasamento entre as intenções e a realidade dos contextos escolares. Deste modo, o termo inovação substituirá o de reforma para designar a mudança escolar, uma vez que se tornará urgente discutir não apenas as alterações organizacionais e normativas mas, de igual modo, as práticas curriculares ao nível da escola e da sala de aula. E, se uma reforma procura a alteração dos objectivos, dos conteúdos de ensino, dos programas, da metodologia didáctica e da avaliação sem questionar as práticas curriculares existentes e os processos emergentes de produção de inovações escolares, então tudo não passará de um intento político sem efeitos no quotidiano escolar.” (Pacheco, 2001, págs. 255 e 256)

 Segundo o nosso ponto de vista, este livro, para além de estar bem estruturado, ser muitíssimo bem fundamentado e resultar de um estudo manifestamente consistente, tem o mérito de tratar o currículo de uma forma abrangente, analisando este conceito sob vários aspectos, proporcionando uma visão clara e completa.

 

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